Javier Milei, presidente da Argentina, chamado de “ultraliberal” pela imprensa brasileira, divulgou um golpe de criptomoeda no final da semana passada. Até aí tudo bem (claro que não, mas eu amo essa locução conjuntiva), o que pegou mais ainda foi a declaração recente dele ao tentar se explicar.
Em uma entrevista ao canal local TN, Milei declarou que quem investe em criptomoedas são “traders de volatilidade” e que, portanto, estariam cientes do risco e o fazem voluntariamente. Mas o pior foi a comparação que ele fez:
“Se você vai ao cassino e perde dinheiro, qual é a reclamação se você sabe que o cassino tem essas características?”
Além disso, ele disse que a questão “é um problema entre particulares, porque o estado não tem nenhum papel aqui”. E complementou, se defendendo, que não promoveu a fraude, “eu espalhei. Não é a mesma coisa”, declarou.
Divulgação nas redes sociais
Javier Milei corre risco de ser removido do cargo por conta do ocorrido. Em uma mensagem publicada no Twitter, o político pediu apoio ao projeto que serviria para ajudar a economia do país.
“A Argentina Liberal cresce!!! Este projeto privado se dedicará a incentivar o crescimento da economia argentina, financiando pequenas empresas e empreendimentos argentinos. O mundo quer investir na Argentina”, escreveu o presidente do nosso país vizinho em seu perfil, na sexta-feira, 15. A publicação ainda possuía o link para o ‘Viva La Libertad Project’ e o token da $LIBRA.
Em poucos minutos, o valor da criptomoeda explodiu, atingindo US$ 4.978 (ou cerca de R$ 28.375, na cotação atual), partindo de meros US$ 0,45. Mas não demorou muito para o ativo derreter, gerando protestos de economistas e de especialistas em criptomoedas na Argentina.
“O Presidente da Nação acaba de lançar publicamente uma fraude global (grosseira e óbvia). E nada vai acontecer”, criticou no Twitter Javier Smaldone, especialista em informática e influenciador digital conhecido por denunciar esquemas de pirâmide.
“Puxada de tapete”
Segundo Smaldone e especialistas no assunto, nada menos que 80% dos ativos da $LIBRA estavam nas mãos de poucas pessoas. Assim que o valor disparou com a publicidade do presidente argentino, essas pessoas começaram a vender os ativos, lucrando milhões. Mas a criptomoeda logo começou a derreter, deixando os compradores em um prejuízo milionário.
Milei tentou consertar a trapalhada apagando a publicação original e postando uma nova, em que tentava se desculpar por divulgar um projeto que pouco conhecia. O site divulgado por ele, inclusive, teria sido criado minutos antes da publicação no Twitter.
“Não estava ciente dos detalhes do projeto e depois de tomar conhecimento dele decidi não continuar a divulgá-lo”, escreveu em seu perfil, já tarde demais. O estrago estava feito.
A manobra realizada pelos criadores da $LIBRA, apelidada de memecoin (o que já deveria ter servido como sinal de alerta, convenhamos) é o que se chama de “puxada de tapete”. Basicamente, inflam o valor de um ativo sem lastro real, baseado unicamente em blockchain, para vender a valores altos, ficar com o lucro e deixar o prejuízo nas mãos de quem cai no golpe.
Claro que o caso não vai ficar por isso mesmo. Já há pedido de impeachment de Milei, e o próprio governo argentino anunciou que o assunto foi enviado para o Escritório Anticorrupção (OA) para investigar se houve conduta imprópria por parte do presidente argentino.
Um dos responsáveis pela moeda, Hayden Davis anunciou que pretende devolver o dinheiro às pessoas afetadas. O CEO da Kelsier Ventures é consultor do presidente argentino sobre tokenização. Segundo ele, seus fundos obtidos com a criptomoeda é de cerca de US$ 100 milhões, que ele pretende “reinvestir” no Libra Token.
Bom notar que a operação toda, que durou apenas duas horas, gerou uma movimentação de aproximadamente US$ 4,5 bilhões, segundo o jornal argentino Clarin.
Via: BBC Brasil, Exame